25 de mar. de 2009

Para enfrentar os tentáculos da crise mundial

A crise mundial é inusitada e desmistificadora. Inusitada, porque apresentou intensidade de contágio que não se conhecia anteriormente. Reflexo da globalização financeira e produtiva das últimas duas décadas, em menos de um ano a crise produziu estragos cuja rapidez e vigor são piores do que os distúrbios do final da década de noventa nos países do leste asiático e na Rússia ou a conturbação produzida pela multiplicação do preço internacional do petróleo na segunda metade dos anos 70...

A natureza da crise evoluiu de um problema de inadimplência no mercado hipotecário americano para uma situação de restrição à liquidez, isto é, de estancamento das linhas de crédito mundo a fora. A insegurança que arrasta gerou uma crise de confiança sem precedentes, o que vem produzindo restrição/interrupção dos fluxos de comércio, volatilidade cambial e queda da produção. Deixará como legado, além de um contingente elevado de desempregados pelo mundo, entre 20 a 30 milhões, uma situação fiscal crítica para vários países, a exemplo do que já ocorre nos EUA.

Desmistificadora porque a idéia de que os países emergentes (BRICs) estariam “blindados” se revelou desastrosa. A queda de 12,7% da produção industrial brasileira e as 630 mil demissões em dezembro retratam o complexo emaranhado comercial e político que envolve as nações atualmente. Foi-se o tempo de posições autóctones em que o protecionismo imperava como vetor da política econômica de um país. O que se constata é que as condições estruturais internas de uma nação podem ajudá-la a enfrentar melhor os reflexos da crise. Os fundamentos econômicos, representados no arranjo da política monetária, fiscal e cambial, não evitam os impactos da crise, mas permitem que a economia doméstica sofra menos e que, ao final do processo, possa estar mais fortalecida do que antes.

A nosso juízo, o Brasil é um desses países que pode sair fortalecido da crise. Para que isto ocorra, temos a necessidade de trabalhar concomitantemente com duas agendas. Uma de curto prazo, voltada para combater a calamidade imposta pela crise. A outra, de mais longo prazo, em que se construam as condições para que o crescimento do país possa retornar aos patamares do período pré-crise, ou seja, para que se possa voltar a crescer entre 4% e 6% ao ano.

Várias propostas já foram apresentadas ao governo por diversos setores da sociedade. Reputo que o estreitamento dos laços entre governo e o setor privado é crucial para que se construam as duas agendas em resposta ao presente e como solução para o futuro. Os entendimentos mostraram que é possível abrir espaço para o investimento público e privado. Para tanto é necessário, ao separar didaticamente a agenda de curto da de longo prazo, não ignorar ações que estabelecem um elo entre esses dois objetivos.

Reside nos investimentos em infraestrutura e numa plataforma de compras governamentais o fio que une as duas agendas mencionadas. Por isso, a aceleração dos investimentos previstos no PAC e no plano estratégico da Petrobras, a reativação do programa Luz para Todos, a ampliação do uso dos recursos do FGTS para o financiamento imobiliário, construção civil e saneamento, preservando o Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) para a infraestrutura, são medidas mais do que necessárias para atender à superação desse momento de turbulência e ao mesmo tempo criar um caminho seguro para os próximos anos.

Além disso, é momento para se pensar de maneira séria e definitiva nas reformas estruturais que o País precisa sofrer. Melhorar o ambiente institucional por meio de uma regulação adequada, menor carga tributária sobre produção, investimento e exportações e maior estímulo à formalização do trabalho respondem às dúvidas do presente e dão solidez para a prosperidade.

A curto prazo é preciso que a autoridade monetária insista em novas reduções da taxa de juro e que questione o elevado spread bancário, bem como é de igual importância que o governo faça uso de seu poder de compra para auxiliar os setores mais atingidos pela crise. Programas que visem à renovação da frota de veículos e outros bens de consumo, à aquisição de medicamentos para distribuição pela rede SUS e que permitam a criação de estímulos para algumas cadeias produtivas, principalmente aquelas que comportem maior número de micro e pequenas empresas, são decisivos nesse momento.

Por sua vez, a ousadia deve acompanhar as ações de médio e longo prazo. Portanto, utilizar o BNDES para financiar a aquisição de máquinas e equipamentos por clientes de empresas brasileiras em outros países é um avanço. Recursos do Fundo Soberano poderiam servir a esse propósito. Além disso, encarar a inovação como fator diferenciador da estratégia do desenvolvimento poderia propiciar maior integração entre empresas e universidades. Ao governo caberia universalizar a inclusão digital - porta de entrada dessa estratégia - e ampliar o uso efetivo dos fundos específicos do setor (FUST, FUNTEL, FISTEL). Neste caso, ciência e tecnologia conspiram por um futuro de sucesso.

(*) Humberto Barbato, presidente da ABINEE


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