14 de abr. de 2009

Amostras que te quero amostras!

Quem nunca carregou uma mala cheia de amostras que atire a primeira pedra! É claro que estou me referindo àquele grupo de homens e mulheres de negócios, que vive arrumando e desarrumando malas em hotéis, aeroportos e em reuniões com clientes. Aquele grupo que mais se parece a um bando de retirantes, carregados de malas, pastas, notebooks, catálogos, manuais técnicos, listas de preços e outros apetrechos, tudo em nome dos negócios internacionais. Refiro-me àquele grupo que vive negociando nos balcões de check-in das companhias aéreas, uma tarifa mais econômica para aquele enorme excesso de bagagem. Mas, são apenas 40 quilinhos! Aquele grupo que depois de uma tremenda viagem, praticamente espremido entre as poltronas da classe econômica daquele avião, com as calças, ou saias, totalmente amarrotadas, camisas em desalinho e os bolsos cheios de restos de castanhas de caju, servidas como panacéia para aquela fome interminável, que aquela refeição de bordo, não conseguiu acalmar, ainda sabe que vai enfrentar outra viagem até o hotel. E, se tiver sorte, encontrará um táxi confortável, porque dependendo do país, os taxistas acreditam que o resto do mundo é povoado por anões e,... quando isso acontece, uma parte de nossa bagagem vai ao porta-malas, dividindo espaço com um macaco enferrujado e embalagens de um fluído qualquer e a outra, vai bem acomodada em nosso colo. Refiro-me àquele grupo que, finalmente, após chegar ao hotel, ainda mais amarrotado, e agora com a marca das rodinhas das malas nas calças, e depois de passar pela maratona do check-in na recepção do hotel, ainda consegue encontrar fôlego para justificar ao “bell boy” (garoto que carrega as malas em hotéis) que aqueles US$ 5,00 são mais que suficientes como gorjeta, mesmo o pobre coitado ter carregado quase um container nas costas. Por fim, chega-se ao quarto. Depois de quase 20 horas, desde o momento do embarque no Brasil, finalmente, estamos em nosso campo de batalha. Quer dizer, ainda não estamos no front. Estamos nas trincheiras. E a única coisa que queremos neste instante é um bom banho, claro, primeiro nos livrarmos daquela camisa toda amarfanhada e daquela calça, cuja marquinha da roda, ainda está ali, como que “tirando uma com a sua cara”, por você ter sentido na pele, o que sente uma mala. Depois do banho, nada melhor, do que uma bela cama. Nem sempre as camas nos hotéis são tão belas assim. Quer dizer, belas até são, o problema é o conforto. Quase ia me esquecendo, o desespero pelo banho e pela cama, serve apenas para àqueles que, como eu, sempre viajaram na classe econômica ou, “cargo class”, como eu pacientemente a chamava. Houve algumas exceções, afinal, após 30 anos viajando pelo mundo, seria inconcebível, que tudo tivesse acontecido exatamente dentro das regras. E estas exceções aconteceram quando decidi fazer alguns up-grades com as minhas milhas ou, quando conseguia algum agrado por parte da “moça do balcão”. E por falar em “moça do balcão” vou abrir um merecido parêntesis para esta classe de profissionais. Sinceramente, não sei como agüentam as esquisitices de certos passageiros. Digo esquisitices, mas, na verdade, mais se parecem com ataques esquizofrênicos ou, pura exibição. Não faz muito tempo, assisti horrorizado, verdadeiras manifestações, só comparadas aos ataques bárbaros da época de Roma, quando milhares e milhares de passageiros, por conta do glamour instantâneo que as câmeras de televisão lhes garantiam, bradavam, guinchavam, relinchavam e até zurravam os mais inacreditáveis impropérios contra os funcionários de terra das companhias aéreas. Tudo em nome de seu direito como consumidor. Honestamente, eu declinaria de uma carteira de consumidores daquela estirpe. Foram cenas lamentáveis, revoltantes e que não representavam nada mais, além da falta de educação de passageiros de uma viagem só. Honestamente falando, visitei mais de 65 países em quase todos os continentes. Não sei quantos vôos, quantas horas e nem por quantos aeroportos passei, considerando escalas e outros atrasos técnicos. Tenho 22 passaportes e juro, juro que nunca, nunca fui maltratado por um funcionário de terra, de qualquer empresa aérea. Jamais fiz uma única reclamação, seja por escrito ou, verbal. Sempre fui testemunha do melhor atendimento possível, dentro das condições destes funcionários porque, eles também têm um limite para concessões, mas, volto a afirmar, sempre me senti em casa, quando entrava em um avião. Não importando a nacionalidade da companhia Aerolíneas Argentinas, Lloyd Aéreo Boliviano, LanChile, Avianca, Copa, Aerosur, a extinta SAHSA (hoje TACA), LACSA, Lufthansa, British Airways, American Airlines, Continental, Delta, Northwest, Canadian, TAP, IBERIA, TARON, Aeroflot, Ghana Airways, Nigéria Airways, Royal Air Marroc, Alitália, Aeroflot, Emirates, Saudi Airlines, Air Qatar, Iemenia, Egytian Airlines e, a nossa inesquecível e, inigualável, em minha opinião, minha doce VARIG. Enfim, foram tantas, que fica difícil listar todas, mas, minha memória não falha quanto ao atendimento. Infelizmente, existem pessoas que, se julgam mais que as outras, quando estão do outro lado do balcão. Acontece que aqueles profissionais seguem ordens e tentam fazer o melhor que podem dentro de suas possibilidades. Eles não são os donos das companhias, assim como, muitos que viajam, também não são donos das companhias que representam. Presenciei alguns escândalos encenados por passageiros exibidos e completamente fora de controle. Confesso que não sei como a companhia permite que certas pessoas embarquem. Se já apresentam reações desequilibradas em terra, o que não farão dentro do avião? Sempre que possível, conseguia trocar minha poltrona, para poder ficar bem longe deste tipo de pessoa. Porque na verdade, elas gostam de nos importunar durante a viagem, tentando justificar sua falta de educação. Prefiro ler um bom livro escrito em mandarim de cabeça para baixo do que ouvir uma conversa mole idiota. Estas pessoas costumam arrumar confusão, até dentro do avião e, nunca percebem, o quanto se tornam desagradáveis e que a sua liberdade termina exatamente onde começa a minha, nem um milímetro para mais ou para menos. Mas deixemos de lado estas pessoas, porque elas sempre existiram, existem e, infelizmente, sempre existirão. E salvo o fato de podermos comprar os nossos próprios aviões, teremos que compartilhar com elas, aqueles “22 graus de temperatura agradável de bordo”. Ah! Minha doce VARIG, por quais céus estará voando este símbolo brasileiro? Sendo assim, concluo este quase romance, mantendo firme minha opinião sobre o profissionalismo dos funcionários de terra e de bordo das companhias aéreas. Estamos de volta, então, ao meu quarto, eu sentado na cama, observando as malas e a decoração do quarto enquanto me decido entre um banho, a cama ou desfazer as malas. Parecem decisões fúteis não? Mas, creiam-me, depois de tanto tempo enfiado dentro de um avião, outro tanto na fila da imigração, mais outro na esteira de bagagens, outro na revista das malas, outro dentro do táxi com a rodinha da mala nas calças e, finalmente, mais um na recepção do hotel, estas decisões se tornam quase cruciais em nossas vidas. O problema é que sou um cara chato e, não consigo, mesmo que esteja literalmente dormindo em pé, cair em uma cama sem tomar um banho. Por sua vez, mesmo depois de um banho com direito à banheira e até sais de banho, não consigo pregar o olho se alguma coisa estiver me preocupando. E o que é que poderia estar me preocupando, depois daquele merecido banho? Naturalmente, a mala de amostras. Esta poderia ser a menor de minhas preocupações, principalmente, depois de tanto tempo em avião, em aeroporto, em táxi e em recepção de hotel. Ms por que a mala de amostras é motivo de minha preocupação? Simplesmente porque, sempre acredito que alguma amostra ficou para trás. E pode ser exatamente aquela que o cliente quer ver. Mas, você não verificou lá no Brasil? Sim. Então agora não tem jeito. Mas será que eu esqueci mesmo? Será que ela não está lá dentro, bem lá no fundo? Será que o funcionário que preparou as amostras, foi dotado de um momento de lucidez e acabou achando que aquela amostra também deveria ser incluída? Mas, e se isso não aconteceu? Melhor olhar agora do que na frente do cliente. Pelo menos, se eu me certificar de que a amostra realmente não veio, então, tenho tempo de pensar em alguma desculpa. Quem sabe até, antecipar-me e já pedir que me enviem por courrier. Mas, se eu fizer isso, vão me encher o saco lá na fábrica. Onde já se viu, esquecer justamente aquela amostra. E depois tem o custo do envio. Uma amostra, ainda que pequena, não fica nada barato. O que vão dizer? Que eu não me preparei e que a viagem já está toda perdida. Mas ainda existe a hipótese de ela estar lá dentro. E como vou saber? Só abrindo a mala. Abrir a mala? Meu Deus! Malas de amostras são como painéis de carros novos, uma vez mexidos, nunca mais voltam ao lugar original. Sinceramente não sei como o pessoal da fábrica, consegue colocar tantas amostras em um espaço tão pequeno. Bom, eles fazem aquilo que pedimos. Olha, precisa ser bem compacto para que eu não pague excesso de bagagem. Por isso, eles colocam um elefante dentro de um armário e se você abrir o armário, quanto tentar fechá-lo ou o rabo fica pra fora ou, fica a tromba. O que é que eu faço? O pior, é que os clientes, sempre pedem, exatamente, aquela amostra que você não trouxe. Não sei se o fazem como forma de postergar uma decisão, afirmando que precisam ver a qualidade daquela amostra ou, se o fazem espontaneamente. A verdade é que, todos parecem se pautar pela Lei de Murphy, mesmo que você tenha levado toda a linha de produção nas costas, eles querem ver, justamente, aquela amostra. Quando falei que mala de amostra é igual a painel de carro novo, não exagerei. Tive um Opala, cujo painel mais se parecia com o muro das lamentações, tamanha era a quantidade de pedacinhos de papel dobrados que eu colocava em suas juntas, todas as vezes que ouvia um ruído diferente. E tudo isso, porque eu sabia que, uma vez tirado de seu lugar original, nunca mais volta ao lugar original. Acabei vendendo o Opala com os papeizinhos e tudo. Disse que eram recados que eu costumava guardar. Estou certo de que quando ele os tirou, pensou estar no meio da bateria de uma escola de samba. Mala de amostras sempre foi, é e sempre será um mal necessário. Por mais que o tempo passe e, o mundo virtual cada vez mais se aproxime do real ou, o contrário, o cliente sempre vai querer ver, sentir, pegar, apalpar, apertar, mexer, abrir, fechar, quebrar, jogar no chão, chutar, usar, mostrar para os seus vendedores ou, simplesmente dar uma olhada por cima. Mas, se você não tiver amostras, suas possibilidades de êxito podem estar comprometidas. É claro que existem amostras e amostras. Uma trader que trabalhe em uma empresa de calçados pode levar uma mala repleta de modelos. Já um que trabalhe em uma fábrica de automóveis. De todas as empresas em que trabalhei só uma delas não permitia que as amostras fossem levadas. E não é para menos, afinal, um motor diesel, por menor que seja não pesa menos de 200 quilos, isso sem falar no seu tamanho. Desta forma, as apresentações físicas eram feitas em feiras internacionais e olha que o esforço para montar os stands não era pouco. Lembro-me de uma verdadeira operação de guerra quando participamos da Expocomer no Panamá. Nosso stand ficava no pavilhão Brasil e estava localizada no primeiro piso do centro de exposições, cuja entrada principal ficava no segundo piso. Nunca imaginei que um lance de apenas 12 degraus pudesse demandar tanto esforço. Também pudera, eram três motores que juntos ultrapassavam a casa dos 700 quilos. A operação mobilizou um grupo de 20 pessoas entre funcionários da feira e outros expositores, o que mostrou o quanto é importante o espírito de equipe, mesmo entre concorrentes, já que outros fabricantes de motores também estavam expondo. Mas o que prevaleceu naqueles doze degraus, tanto na descida como na subida, foi a vontade de realizar uma exposição brilhante por parte das empresas brasileiras. Afinal, o que estava em jogo naquele evento, não era, apenas, a performance individual das empresas, também estava ali presente a performance da classe exportadora brasileira e, acima de tudo, da marca Brasil. O objetivo comum era solidificar o Brasil em mais aquele mercado e, aquela exposição, podia ser o primeiro passo, a primeira impressão que estaríamos passando aos potenciais importadores panamenhos, centro-americanos, caribenhos e de outros países. Este é um conceito que, sempre defendi. A colaboração entre os exportadores, através de uma atuação profissional no exterior porque, como já enfatizado, não estamos tratando apenas da imagem individual, mas, da imagem do país que está refletida nestas ações individuais. Acredito também, que uma conscientização por parte das autoridades brasileiras, ligadas diretamente ao Comércio Exterior, neste sentido, pode resultar em atitudes pró-ativas entre a classe. Na mesma linha, as associações de Comércio Exterior e, as entidades de classe como as federações de indústrias devem colaborar orientando seus associados quanto à importância deste comprometimento coletivo. Por fim, os motores desceram e subiram os doze degraus e a feira produziu resultados satisfatórios dentro das nossas expectativas. As amostras das outras empresas eram, digamos, menos complicadas para carregar, não que por causa disso, exigissem menos esforço. Tomando como base as empresas onde atuei, carreguei os mais diversos tipos de amostras: pratos, xícaras, travessas e formas refratárias, ferragens, materiais de acabamento, autopeças, artigos esportivos (tênis, bolas de futebol, basquete, handebol, voleibol), meias, shorts, chuteiras, camisetas, agasalhos, materiais impressos promocionais (catálogos, folhetos) e artigos plásticos para banheiro, entre eles, a famosa “tampa de privada” ou, mais educadamente “assento sanitário”. Enfim, para cada empresa, para cada mercado, para cada novo cliente uma mala nova de amostras. Cada uma com sua história, mas, sem sombra de dúvidas, são elementos que compõem a formação do profissional de Comércio Exterior. No entanto, nem tudo pode ser considerado como “espinho” quando falamos em carregar malas de amostras. Algumas delas, e eu vou contar duas passagens, podem nos levar à situações positivas e, até engraçadas, escapando do objetivo principal das amostras que, é atuar como material de apoio, ao fechamento de negócios. O primeiro caso aconteceu lá pelo ano de 1987. Estava trabalhando na Companhia Vidraria Santa Marina e, um dos mercados que tentávamos desenvolver era o africano. Haviam certas restrições impostas pela casa matriz francesa, quanto aos produtos que podíamos oferecer, por exemplo, não tínhamos autorização para vender uma linha que também era produzida na França que, já atendia aquele mercado. Entretanto, as linhas exclusivas feitas no Brasil, não sofriam qualquer tipo de restrição. Sendo assim, planificamos uma proposta de viagem, incluindo dados de mercado, perspectivas de negócios, estimativas de orçamentos, nomes de importadores potenciais, custos de logísticas e demais informações que julgamos relevantes, para justificar a viagem junto à diretoria. Como era de se esperar, a única rubrica que gerou certa polêmica foi a do orçamento, o que nos obrigou a uma revisão e, é claro, uma redução. Fora isso, nossa proposta foi aprovada. O tempo estimado total da viagem seria de 60 dias e incluía o Marrocos, Senegal, Guiné, Gana, Togo, Libéria, Nigéria e Costa do Marfim. Em princípio, o prazo pode parecer longo, mas, descontando os dias não úteis (domingos) e, as sextas-feiras (dia sagrado para os muçulmanos) o período útil de trabalho foi reduzido para uns 50 dias. Considerando também o tempo gasto nos aeroportos, nas viagens, na acomodação em hotéis perdemos mais uns 3 dias no total. Depois ainda precisamos considerar o tempo de pesquisa de mercado, quer dizer, conhecer a concorrência, ainda que não profundamente, perdemos mais uns 8 dias. Finalmente, ficamos com um prazo de mais ou menos 39 dias, divididos entre os 8 países, dá uma média de quase 5 dias por país. O que em se tratando de uma primeira viagem, é um período suficiente, tendo como base uma média de 2 a 3 reuniões diárias. Segundo a diretoria da empresa, aquele período representava um número considerável. É importante ressaltar que o planejamento de uma viagem envolve estes detalhes também. É importante levar-se em consideração feriados nacionais e, algumas feiras que possam estar sendo realizadas no momento. Caso o seu potencial importador esteja participando de algum evento, pode ser que ele não tenha tempo suficiente para lhe atender. Por isso, o planejamento de uma empreitada no exterior deve ser bastante criterioso e, não devemos temer os excessos de dados, afinal, dois fatores são determinantes em uma viagem ao exterior: o investimento em tempo e em dinheiro. E estes dois fatores são cruciais para qualquer empresa. Após os quase 60 dias, uma montanha de relatórios, outra pilha de informações mercadológicas, algumas amostras de concorrentes, alguns pedidos experimentais e, uma tremenda vontade de voltar para casa, o resumo da viagem ficou entre bom e satisfatório. Seria muita ingenuidade da minha parte, querer transmitir um sentimento por demais otimista, passando a informação de que o desenvolvimento de um mercado se completa com uma única viagem. Primeiro que ingenuidade é algo que já está superado após quase 30 anos de atuação e, segundo, que a solidificação da presença de uma marca em qualquer mercado é o resultado de uma série de ações desenvolvidas ao longo de um tempo um pouco maior do que apenas 60 dias. Entre a primeira viagem e os pedidos de reposição podemos estimar algo em torno de um ano, às vezes mais ou, em outras vezes, nunca termos os pedidos de reposição. São muitas as variáveis que agem em torno de nossas ações e, mesmo com todo o esforço, com toda a lição de casa sendo bem feita, a decisão final, pode ser que aquele mercado não é comprador para o nosso produto. De qualquer maneira, nos dias de hoje, com o advento da internet e, a quantidade de informações que ela disponibiliza, os acertos acabam superando os erros. Ressaltando também, que a internet, ainda não superou a presença física do homem de negócios, a relação “face to face” e, sinceramente, não acredito que algum dia superará. Muito bem, voltemos à Abdjan, capital da Costa do Marfim e, ao restaurante do hotel Thyama, onde eu aguardava pelo meu pedido, ansioso por só faltar um dia para retornar para casa. Enquanto passava o tempo pensando nas coisas que faria quando retornasse, observei uma família que entrou no restaurante e, sentou-se algumas mesas não muito distantes de onde eu estava. Não demorou muito para que eu logo notasse que se tratava de uma família de brasileiros. Afinal, crianças falam alto em qualquer lugar e, reconhecer o seu próprio idioma, é uma característica natural de todo ser humano. Aquilo me deixou bastante animado, uma vez que a falta de ouvir o português já incomodava. Depois de relutar um pouco, acabei criando coragem e me aproximei da mesa e puxei conversa com aquele animado grupo. Fiquei sabendo que eles viveriam em Abdjan por dois anos, uma vez que o pai havia sido transferido para o escritório regional da Varig, como gerente, naquela cidade. Um assunto leva a outro que, leva a mais outro e, logo eu estava sentado jantando com eles. Fiquei sabendo também que eles estavam momentaneamente morando no hotel, até que encontrassem uma casa. O tempo passou voando, acho que pudemos colocar em dia todas as fofocas e todas nossas histórias. Um pouco antes de nos despedirmos, achei que seria agradável contribuir toda aquela amabilidade e pedi que me aguardassem uns instantes enquanto eu ia buscar uma coisa no meu quarto. Lá fui eu abrir a mala de amostras que, naquela altura do campeonato, já estava bem mais vazia. Voltei ao restaurante com um conjunto de três formas refratárias o qual, presenteei a chefa daquela família. Achei que o presente seria bastante conveniente, pois, se tratava de algo que serviria para a nova casa. Dispensa dizer o quanto ela ficou agradecida e constrangida por não ter algo para me dar em troca, mas, ela acabou se conformando, quando eu disse que presente nenhum substituiria toda a gentileza que eles fizeram em me convidar para jantar e me proporcionar bons momentos entre brasileiros. Finalmente nos despedimos e, fomos para os nossos quartos. No Sábado não vi ninguém da família. Imaginei que estivessem visitando algumas casas. A parte da manhã, reservei para arrumar um pouco as malas e, naturalmente, a mala de amostras, almocei e andei um pouco pela cidade na parte da tarde. Por volta das 19:00 horas já estava de volta ao hotel e pedi que o pessoal da recepção me acordasse cedo no dia seguinte e deixasse minha conta já preparada. Fui ao quarto, jantei lá mesmo e não sai mais. Entre um pouco de leitura e alguns programas de televisão, o sono foi chegando e só acordei no dia seguinte com o telefonema da recepção. O vôo saia à tarde, mas, sempre gostei de chegar aos aeroportos com um bom tempo de antecedência, mesmo que a recomendação fosse de apenas duas horas. Por isso, com quase três horas e meia de antecedência, eu já estava me despedindo calorosamente dos funcionários do hotel que, tinham sido, simplesmente, fantásticos. Por sinal, esta é uma característica do povo africano, sua amabilidade é natural e não mecânica como sentimos em algumas partes do mundo. Pode ser que muita gente ache um exagero chegar com tanta antecedência ao aeroporto, talvez, pelo fato, de não conhecerem alguns aeroportos africanos. Vale apenas lembrar, que depois dos ataques de 11 de Setembro, este prazo passou para 4 horas por conta dos rigorosos processos de inspeção que passaram a ser aplicados aos passageiros. E minhas previsões não falharam, quando cheguei ao saguão do aeroporto, uma multidão se aglomerava em frente ao balcão da Varig. Naquela época era um vôo bastante concorrido e semanal, por isso, sempre saía lotado. Alguns anos depois, devido a um grave acidente que matou todos os passageiros e, talvez, pela concorrência, o vôo foi cancelado. Fatalidades do destino. Bom, lá estava eu, diante de uma multidão que insistia em não fazer fila, parece que é natural dos africanos não gostarem de filas, preferem os “bolos de pessoas” e criando coragem para enfrentar aquela massa humana. Pouco a pouco fui me enfiando naquele meio, entre a turma que empurra e a turma dos empurrados. Vale dizer que a preferência de atendimento era dada ao grupo dos empurrados, já que este, mesmo que não tivesse nada a ver com aquilo tudo, acabava chegando ao balcão. Foi uma odisséia conseguir me aproximar do atendimento e, para minha surpresa, avisto o meu amigo gerente da Varig com quem tinha jantado um dia antes. Quando ele me viu, fez sinal para que o acompanhasse até o final do balcão, fora de todo aquele agito. Cumprimentamos-nos ele me pediu as malas que seriam despachadas, meus documentos e que eu aguardasse alguns instantes ali. Fiquei debruçado no balcão observando ele desaparecer entre outras malas e um exército de funcionários. Vinte minutos depois ele surge novamente, me entrega todos os documentos e o cartão de embarque, devidamente acondicionados em um folder de papel da empresa. Agradeci por mais aquela gentileza, enquanto ele me lembrava de estar 30 minutos antes na sala de embarque e avisando-me que estaria lá. Fiquei zanzando pelo aeroporto, tomei um café, comprei um jornal, fumei alguns cigarros e fui para a peregrinação da imigração. Gastei quase uma hora até conseguir finalmente estar na área onde ficam as lojas do free-shop. Olhei algumas coisas que continuaram nas prateleiras e, me dirigi à sala de embarque. Ainda faltavam 50 minutos para o início da preparação dos passageiros, mesmo assim, não me animei mais a sair dali, uma vez que boa parte daquela multidão do balcão, começava a chegar na sala. Não demorou muito e eu me sentia no meio de uma escola de samba, tamanho era o barulho. Finalmente, o pessoal de terra se aproxima, arrumam o material e anunciam o embarque: “Atenção senhores passageiros do vôo X da Varig com destino à cidade de São Paulo estamos dando início aos passageiros da primeira classe”. Como eu não era daquela turma, continuei sentado. Logo começou o embarque da executiva e finalmente a econômica. Só então me levantei, peguei o cartão de embarque e enquanto me dirigia à fila, tratava de verificar qual era o meu número de assento. É normal, quando estamos em uma fila destas, ficarmos observando os cartões de embarque nas mãos dos outros passageiros. Mesmo que o façamos de uma maneira disfarçada, parece que queremos saber quem é que pode estar ao nosso lado. Foi só naquele momento que percebi que a cor do meu cartão de embarque era diferente da maioria. Enquanto os outros ostentavam cartões de cor azul, eu segurava um cartão de cor marrom que indicava “seat 1-A”. Aquilo não me preocupou muito, afinal, mesmo que fosse sentado na asa, eu iria embarcar naquele avião. Finalmente, quando chega a minha vez de ser atendido, a funcionária me diz que o meu grupo já havia sido chamado, foram os primeiros a serem embarcados. Eu estava na primeira classe e, quando o meu amigo gerente, veio se despedir de mim disse que aquela era uma forma de retribuir o meu presente à sua esposa. Confesso que a surpresa foi tão grande que o máximo que minha reação foi apenas dizer muito obrigado, apertar sua mão e seguir em frente no finger de acesso à aeronave. Fica difícil descrever em palavras a sensação que se tem, quando há poucos instantes eu já me via sentado lá no fundo do avião, na poltrona do meio, praticamente esmagado entre outros passageiros durante onze horas e, de repente, como por um passe de mágica, sou transportado ao paraíso. A viagem poderia durar até 50 horas, porque primeira classe é primeira classe. Valeu o esforço de carregar aquela mala de amostras. O segundo caso aconteceu 4 anos depois, quando eu já trabalhava na Astra e estava visitando o México. As amostras da Astra não eram pesadas, mas, por causa da diversidade de formas, se tornavam complicadas de carregar e acondicionar em uma mala. Chegamos até a desenvolver um modelo de mala especial para carregar amostras, afinal, não era nada fácil colocar armários de banheiro, ralos, conexões, acessórios e mais de 12 modelos de assentos diferentes dentro de uma mala que fosse prática de carregar. E lá estava eu, sentado em frente a mala, pensando se a amostra estava ou não lá dentro. Tinha uma reunião marcada para dali duas horas e, por sorte, o escritório do cliente, ficava apenas há algumas quadras distante do luxuoso hotel onde eu estava hospedado, o Sheraton Maria Isabel, em frente à famosa estátua “Del Angel” na cidade do México. Fiquei ali alguns instantes pensando e resolvi abrir a mala. Comecei tirando os primeiros assentos sanitários, parecia que não acabavam mais, depois cheguei nas caixas dos armários e então me detive. Se eu continuasse a tirar as amostras, precisaria de um dia inteiro para colocá-las de volta. Por isso, resolvi arrumar aquelas poucas que havia tirado. E eu já esperava o resultado, não consegui ajeita-las da mesma forma e, um assento não queria entrar. Na hora pensei, este vai ficar. Mas, depois reconsiderei e imaginei que aquele poderia ser o assento que o cliente queria ver. Fechei o zíper da mala e comecei a imaginar onde eu poderia levar aquela peça. Procurei algum saco plástico usado pela lavanderia, mas, desisti da idéia. E o tempo vai passando, e eu com aquela tampa de privada na mão. Atirei-a sobre a cama e tratei de me vestir, enquanto pensava em como a carregaria. Tudo pronto para sair e a bendita da tampa ainda ali, olhando para a minha cara, como se aquele buraco fosse o seu enorme sorriso rindo da minha incompetência por não poder guardá-la. Agarrei a danada e pensei, não adianta rir não, você veio aqui para trabalhar e não para ficar curtindo a maciez do meu colchão. De um jeito ou de outro você vai, e se o cliente gostar de você, você vai ficar com ele. Peguei minha pasta, a mala de amostras e coloquei a teimosa embaixo do braço, tentando escondê-la o mais que podia. Claro que foi impossível, porque um assento sanitário não é algo tão pequeno assim. E lá fui para o elevador, com a cara, a coragem, a pasta, a mala de amostras e a bendita tampa embaixo do braço. Mas o terno estava impecável. Algo que eu sempre gostei nas pessoas é o senso de humor e a capacidade de fazer piadas com quase tudo. Pensei que o povo brasileiro era o único que fazia isso com maestria. Mal sabia o quanto estava enganado. Quando me aproximei da recepção para entregar a chave (hoje em dia são cartões magnéticos) e já percebendo que minha amiga atraia a atenção de algumas pessoas, precisei colocá-la sobre o balcão para pegar a chave no bolso. Foi quando um senhor muito educado, de nacionalidade inglesa, se virou para mim e disse: Desculpe-me, mas, em minha vida acredito ter visto de tudo. Inclusive alguns fatos que considerei verdadeiros cúmulos, pelo absurdo que representavam. No entanto, é a primeira vez que vejo alguém carregar o seu próprio assento sanitário. “Isto, só pode ser o cúmulo da higiene”. E deu um largo sorriso. Sinceramente, se ele soubesse o quanto aquilo me causava constrangimento, entretanto, aceitei de maneira bem natural, porque achei a comparação pra lá de inteligente. Só pude concordar com ele e afirmar que nos dias de hoje, todo o cuidado é pouco. Ele me pediu desculpas e agradeceu por eu ter entendido a piada. Lá fui eu, atravessando a porta giratória do hotel e, como faltavam apenas 30 minutos para a reunião e um táxi teria que dar uma tremenda volta. Resolvi ir a pé mesmo, afinal, era só atravessar a avenida e seguir três quadras em frente. Pode ser que eu tenha inventado moda na cidade do México. Criado o conceito de “seja higiênico, preserve sua saúde, use sua própria tampa”. Não posso negar que tive os meus quinze minutos de fama. Pelo menos este foi o tempo que levei para chegar até o escritório do cliente e, sem dúvida alguma, o que aquela tampa chamou a atenção, me tornou uma celebridade instantânea. Resumo da história: em nossas vidas sempre carregaremos malas de amostras. Algumas mais leves outras mais pesadas, muitos começam cedo, outros mais tarde. Mas, desde o momento em que damos os primeiros passos, vamos acumulando amostras em nossa mala. Chega então o dia em que estamos na faculdade e, continuamos enchendo nossa mala com mais amostras e a mala vai ficando cada vez mais pesada. Entretanto, não podemos contar com mais ninguém para ajudar a carregá-la. Este é o nosso esforço pessoal, este é o obstáculo que deveremos transpor sozinhos. Temos é claro apoio por parte dos pais, dos professores e de profissionais da área que nos ensinaram maneiras de carregar a mala e quais são as amostras que devemos colocar dentro dela. Posteriormente, quando nos tornamos profissionais a mala muda de nome e passa a ser chamada de bagagem. Bagagem acadêmica e profissional. Mas, continua sendo carregada de amostras. Amostras de aulas, de provas, de trabalhos, de empregos, de viagens, de contatos com clientes, de erros e acertos. Mais adiante, percebemos que o peso da mala vai se tornando proporcional à nossa força e, este momento, a mala deixa de ser pesada e se transforma em uma bagagem sólida. Somos neste momento profissionais de Comércio Exterior e estamos prontos a carregar novas malas de amostras, porque a nossa sólida bagagem já está devidamente incorporada dentro de nós. Por isso, quando pensarmos que a vida está difícil e que só surgem obstáculos, tentemos imaginar que estamos apenas enchendo nossa mala com amostras e, por causa disso, ela vai ficando pesada. Devemos, entretanto, saber quais são as amostras que merecem ir para dentro de nossa mala. Afinal, lá na frente, o produto de maior valor que estaremos vendendo, somos nós mesmos, por isso, nossas amostras precisam ser de ótima qualidade. E já que falamos tanto em amostras, aquela famosa amostra, acabou não vindo mesmo e, o cliente nem se lembrou de pedi-la.



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