2 de mar. de 2009

Um contador de histórias...ou um trader

por Omar Mahmoud
Um profissional de Comércio Exterior trabalha com Comércio Exterior. Por isso, antes de tentar saber o que faz um profissional da área, faz-se necessário o conhecimento sobre a área. Não carecemos, entretanto, de uma dissertação acadêmica sobre o mérito, bastando para preencher as expectativas do tópico, resumir o Comércio Exterior como sendo as atividades de compra e venda de produtos e serviços desde o Brasil para o mundo e do mundo para o Brasil. Estas atividades, no jargão da área, são conhecidas como exportação e importação. À estas atividades matrizes, conectam-se três áreas complementares que seguem, indiscutivelmente, a seguinte ordem: Comercial, Logístico-Administrativa e Financeira. Percebam que aqui, a ordem dos fatores altera sim o produto, afinal, não existe pagamento para algo que não foi embarcado e nem tampouco vendido. Sendo assim, não é demais dizer que: primeiro se vende, depois se embarca e então, recebe-se o pagamento. A ordem é a mesma aplicada ao mercado interno. Se compararmos grosseiramente os negócios no mercado interno aos do mercado externo, encontraremos um sem número de pontos comuns. As equipes de venda que visitam as grandes lojas, os grandes supermercados, grandes distribuidores em todo o Brasil são substituídas pelas figuras dos traders, gerentes, supervisores e consultores de Comércio Exterior que atuam além fronteiras. Tanto isso é verdade, que a título de zombaria, muitos destes profissionais ainda recebem a pecha de caixeiros viajantes. Mas, ao contrário do que faziam seus antepassados, estes atravessam distâncias muito maiores e, na maioria das vezes, trocaram o lombo do burro e o trem, pelos nem sempre confortáveis aviões. Não deixando de ser fato, alguns destes “heróis anônimos do comércio” enfrentarem, meios de transportes inusitados ao seu mundo, mas, totalmente natural ao universo dos seus clientes. Foi um caso que vivenciei, quando era responsável pelas vendas externas de motores diesel para as Guianas, motores estes aplicados ao garimpo do ouro. Depois de voar até Manaus, embarquei em um vôo menor da Surinam Airways até Paramaribo. Seguindo na aventura aérea a bordo de um frágil Cessna durante duas horas sobre a gigantesca imensidão da floresta Amazônica, até pousar em uma pista improvisada em um banco de areia bem no meio do caudaloso e assustador rio Marroni, na minúscula aldeia, considerada cidade por seus habitantes, chamada Maripasoula. Finalmente, carregado de malas, manuais técnicos, catálogos, apostilas, pasta de executivo, note-book, filmadora e o coração na boca, tomo assento em uma espécie de piroga de quase quinze metros propulsada por um poderoso Yamaha de não sei quantos cavalos. Subimos o escuro e agitado rio, em meio a repentinas corredeiras e pedras, que o barqueiro evitava com o profissionalismo de um piloto de fórmula um. Esta mesma piroga nos levaria todos os dias daquela semana aos diferentes garimpos que usavam os nossos motores. Após a épica jornada aquática de quase três horas, chegamos à casa do cliente. Um conjunto de armazéns de madeira, cobertos por telhas de zinco, sustentados por palafitas à beira do formoso rio. Ali, seria a ágora dos combates de negócios durante o dia, entrecortado por períodos de calor intenso e úmido até o meio dia, regados por violentíssimos temporais característicos das regiões amazônicas ao longo da tarde. À noite, como sempre, voltava o calor insuportável. No meio do salão da loja entre motores, pás, picaretas, enxadas, mangueiras e, outros equipamentos, vendidos pelo cliente, estendia-se uma rede amarrada a dois troncos de árvore que substituíam seus primos mais ricos de concreto. Por sorte, a rede possuía uma tela que se fechava dos pés até a cabeça, evitando assim um contato mais íntimo com a mãe natureza que enviava os mais estranhos anfitriões de sua fauna para dar as boas-vindas ao aterrorizado visitante. Não conseguia me imaginar cumprimentando um lagarto de cor verde intensa ou, beijando as faces de uma mariposa do tamanho de um papagaio. Aquilo é a Amazônia. Mas, este é apenas um detalhe daquilo que vivem os homens e mulheres profissionais do Comércio Exterior. Posteriormente, voltei às minhas atividades no Oriente Médio, onde outras aventuras marcaram de maneira indelével o meu espírito de profissional de Comércio Exterior. Mas, estas são passagens para uma outra oportunidade. Voltemos então ao objetivo do tópico. Ainda que corram paralelas, as ações do vendedor doméstico e o internacional, estas se separam quando ao segundo se demanda um conhecimento mais profundo dos mercados onde atuará. Enquanto dentro do Brasil, o homem de vendas se depara com as diferenças regionais, seu par externo, precisa entender além das diferenças de idioma, as características únicas de cada mercado as quais, podem parecer em princípio, exageradas, mas, que fazem a diferença entre o sucesso e o fracasso da operação. Conto-lhes um caso. A Mitsubishi comercializa seu famoso modelo Pajero, tão conhecido no Brasil, sob o nome de Montero nos diversos países de língua espanhola da América Latina. Sabem qual a razão disso? Pelo fato do nome Pajero poder fazer menção à “paja” que, vulgarmente nestes países está associada à uma frase conhecida como “hacerse la paja” ou, masturbar-se caso queiramos uma tradução mais direta. A razão não é comprovada e foi-me contada por um cliente há alguns anos em Caracas. O fato é que se visitarmos o site da empresa no Brasil encontramos o modelo Pajero, enquanto nos sites das subsidiárias latinas só encontramos o modelo Montero. A lógica nos leva a acreditar na história do cliente. Em retribuição a esta história, levei-o a almoçar, quando de uma de suas visitas ao Brasil, em um restaurante árabe. Qual não foi sua surpresa, quando viu que o restaurante ficava localizado na rua Vergeiro. Para os que não sabem, “verga” em espanhol é um dos nomes que se dá ao membro masculino. Daí para um malicioso trocadilho foi um pulo. Mas, estes momentos também fazem parte da vida de um profissional de Comércio Exterior que, acima de tudo, ainda deve ser um grande contador de histórias e de fatos do seu país para o exterior. Muitos bons negócios foram fechados após horas de conversas sobre assuntos amenos, do cotidiano de cada país. Intercalar os negócios, com estes momentos de troca de cultura, resulta em uma amizade duradoura, em uma aliança próspera e, nada melhor do que termos do outro lado do oceano um cliente amigo. Existem inúmeros outros exemplos de adequação de modelos, nomes, marcas, cores, embalagens, tamanhos, medidas, apelos comerciais, promoções, propaganda de ponto de venda e merchandising de mercado para mercado. Ora mais semelhantes às nossas, quanto mais próximos são os países, ora completamente distintas quanto mais nos afastamos das fronteiras brasileiras. Seria um desperdício enorme de dinheiro e tempo, colocar uma mulata na capa de um catálogo de um produto a ser oferecido em alguns países do Oriente Médio. Por mais belas e esculturais que possam ser, os muçulmanos são muito rígidos quanto a este tipo de apelo, por mais belo que possa se mostrar. É provável, que quando venham visitar o Brasil, em particular na época do carnaval, pensem de outra maneira. Afinal, assim como nós devemos nos adaptar às culturais locais, o mesmo se aplica aos visitantes estrangeiros. Pensam que isso não acontece? Leiam a seguir outra experiência deste viajante. Lembro-me de outra passagem curiosa, quando era responsável pelos mercados árabes de uma famosa empresa de artigos plásticos para banheiro, entre elas as confortáveis banheiras de hidromassagem. Como era de se esperar, a capa do catálogo de banheiras, usado no mercado nacional e em outros países, trazia a provocante foto de uma moça, com as pernas e os ombros à mostra. O resto (chamar aquilo de resto é um insulto) coberto por uma toalha (nunca cheguei a conhecer a modelo, não foram feitas novas sessões de fotos). Nada mais natural e convidativo, para o mundo ocidental. Quando cheguei ao aeroporto em Riyadh, na Arábia Saudita, pela primeira vez, não pensaram bem assim. Fiquei mais de duas horas, assistindo aos oficiais da aduana arrancando pacientemente todas as capas do catálogo, rasgando-as posteriormente. Dispensa dizer que os catálogos para aquela região, sofreram uma sutil mudança. E lá se foram definitivamente minhas pretensões de conhecer a modelo da capa. Estes exemplos servem apenas como ilustrações da capacidade que o homem de Comércio Exterior precisa desenvolver, antecipando-se a eventuais contratempos que resultam em perda de tempo e de dinheiro. E, o que é pior, causando uma impressão não muito agradável ao cliente. Como sabemos, a primeira impressão é a que fica. Uma boa formação em marketing internacional garante ao profissional ferramentas suficientes para o desenvolver desta atividade. Na seqüência do processo deparamo-nos com outra figura do envolvente mundo do Comércio Exterior. O profissional de logística. Ainda que em um passado não muito distante este profissional era considerado apenas um mero despachante, hoje sua participação no pacote de serviços oferecido ao cliente é de fundamental importância. Reparem bem que mencionei “pacote de serviços” e não apenas produtos. Antigamente vendíamos produtos, hoje vendemos valores e benefícios aos nossos clientes. E uma logística perfeita representa um enorme benefício ao cliente além de ser uma tremenda vantagem frente aos concorrentes que acham que esta parte não tem importância. Por logística podemos entender uma correta análise da carta de crédito, a elaboração dos documentos em harmonia ao que é requerido, a negociação de um frete competitivo, a contratação do meio de transporte mais eficiente ao cliente, o perfeito entender da legislação vigente no país de destino e do nosso, a constante preocupação pela otimização da carga e a garantia de que uma vez chegado ao destino o cliente não terá dificuldades em nacionalizá-la. De nada adiantarão os esforços do homem de vendas na conquista daquele primeiro pedido, após um intenso desenvolvimento de mercado, se a segunda fase do processo estiver contaminada por falhas. Tudo o que foi vendido ao cliente como valor e benefício, pode se transformar em dor de cabeça e arrependimento por haver trocado de fornecedor. Aqui só cabem quatro ações: Profissionalismo das partes, intensa troca de informação, comprometimento e espírito de equipe. Por último e fechando o circuito, surge o homem financeiro da operação. Este elemento manuseia os valores intangíveis da operação, ou seja, cabe a ele dominar a engenharia financeira a ponto de trazer à empresa o máximo de rentabilidade por processo. Negociando melhores taxas de câmbio, discutindo taxas de corretoras, avaliando a melhor aplicação e analisando as vantagens e desvantagens de um adiantamento de contrato de câmbio. A ação deste profissional não é percebida pelo cliente, mas, nem por isso é menos importante, afinal, se ele conseguir “arrancar o máximo de suco” de cada venda ao exterior, utilizando-se de uma criatividade financeira ímpar, é natural que a empresa passará a olhar os negócios de Comércio Exterior, como sendo uma vantajosa opção de negócios. Espero ter contribuído um pouco com o tópico que é, sem sombra de dúvidas, extremamente esclarecedor e consistente. Parabéns a todos!

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