2 de mar. de 2009

O segredo de Dubai

A Agência de Notícias Brasil-Árabe, órgão de comunicação da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, publicou no último dia 24, uma interessante reportagem, sob o título: “Dubai reexporta mais de US$ 1 bilhão em alimentos.” A notícia, ou melhor dizendo, o mecanismo comercial adotado por aquele emirado, não é novo. Lembro-me da primeira vez que visitei os Emirados Árabes Unidos, e estamos falando do ano de 1991, quando já me deparava com um intenso comércio de importação e exportação realizado em Dubai. E, o que mais me impressionou, eram as quantidades negociadas. Falava-se em milhares de containers, milhões de unidades de determinado produto. Eu mesmo fui inquirido de uma quantidade vultuosa do produto que comercializava. Aquilo me soava bastante estranho, porque não compreendia como toda aquela mercadoria seria absorvida dentro do Emirado por mais que já se notassem os sinais de desenvolvimento. Mas, como costumam dizer, os marinheiros de primeira viagem, sofrem as agruras das suas aventuras. O que mais me impressionava, eram os níveis de preços praticados. Por mais que eu aplicasse qualquer tipo de engenharia financeira, não conseguia atingir os descontos solicitados. Entretanto, não queria acreditar que aquela empreitada não fosse coroada com algum sucesso. Honestamente, naquela época, a disponibilidade de informações não era tão rica quanto hoje, mas, mesmo assim, busquei o máximo de dados possíveis, tanto na própria câmara quanto em outros órgãos. E, com base nestas informações, é que consegui justificar junto à diretoria da empresa, a exeqüibilidade da incursão naquela região. A viagem total incluiu dez países na área, sendo Dubai, o ponto de partida. Passando posteriormente pelo Iêmen, Omã, Catar, Bahrein, Arábia Saudita, Kuwait, Jordânia, Líbano e Egito. Chamei aquela viagem de “pião”. Pois, a partir de um ponto, passei a praticamente “girar” em torno dele, até sair pelo norte da África, rumo a Europa. Foram sessenta dias e muitas visitas, muitas reuniões, alguns pedidos, muitas consultas e muita, mais muita pesquisa de mercado. Sinceramente, acredito que o volume de informações levantado seria suficiente para escrever um doutorado. Entretanto, alguns detalhes foram fundamentais para que eu compreendesse o método de trabalho daquele importante centro re-exportador. O primeiro deles, já mencionado, eram as quantidades. Nenhum país importa mais do que aquilo que possa absorver internamente. O segundo eram os preços. Apesar de ter realizado uma rigorosa pesquisa de preços praticados pelos concorrentes, fazendo o caminho contrário, tentando obter, com certa margem de acerto, o preço FOB e, a partir daí aplicar os custos e as margens até entender o preço de venda, esbarrava, em uma rentabilidade elevada. O terceiro detalhe, era o fato de todos os importadores visitados me perguntarem se eu já havia visitado outros países na região. Somando A+B+C concluí que o “pulo do gato” estava não em vender para Dubai, mas, em vender através de Dubai. Por isso, as rentabilidades me pareciam, a princípio, tão elevadas. Na verdade, os importadores mantinham uma “área cinzenta” em seus custos, área esta que seria preenchida pela rentabilidade de seus clientes. Compreendi então, que Dubai importa muito, mas, não para consumo próprio, e sim, para a re-exportação. Lembrem-se que hoje esta prática é bastante conhecida, mas, há dezessete anos só mesmo vivendo a situação. Por outro lado, Dubai não importa nada que não tenha uma venda garantida. Esta era a razão das freqüentes perguntas sobre minhas viagens a outros países. Os importadores queriam saber se houve interesse por parte deles nos produtos que eu oferecia. Preparei um extenso relatório e enviei a empresa justificando uma provável performance não muito atrativa. Mas, como era esperado, trata-se de uma viagem de caráter desenvolvimentista onde o objetivo maior era o de conhecer as possibilidades. Claro que alguns pedidos não fariam nenhum mal. Com a mente já bastante clara com relação à estratégia a seguir. Retornei algumas visitas tentando agora obter de meus clientes informações sobre os “seus clientes”. Alguns me afirmaram que só vendiam localmente, mas, a grande maioria acabou “abrindo o jogo” o que me permitiu uma abordagem diferente, visando um melhor rendimento naquela viagem. Fui direto ao assunto quando perguntei: “se os seus clientes se interessarem pelo meu produto, posso considerar um eventual pedido piloto?”. Claro que nenhum deles assumiu qualquer tipo de compromisso formal, mas, deixaram uma porta aberta. Três clientes chegaram a me fornecer nomes de potencias parceiros no Kuwait e na Arábia Saudita. Estava traçado o plano, alterado em apenas um detalhe, uma revisão nos descontos. Se eu quisesse ter sucesso nos negócios em Dubai, não poderia aplicar os descontos máximos nos outros países. Agindo desta forma, eu estaria “matando a galinha dos ovos de ouro”, ficando sem margem para futuras negociações. Sendo assim, estruturei minha escala, guardando “umas cartas na manga” que só seriam mostradas para os clientes em Dubai. Na seqüência da viagem, me deparei com outro tipo de pergunta: “Você já esteve em Dubai?”. Agora eram os clientes que queriam conhecer as reações de seus fornecedores. O resultado obtido estava dentro de um padrão já esperado. Alguns clientes se interessaram, mas, não poderiam comprar naquele momento e, a grande maioria, preferia se abastecer através de um distribuidor em Dubai. Feitas as devidas pesquisas, retornei ao Brasil, coloquei-me imediatamente em contato com meus potenciais clientes em Dubai relatando-lhes as “impressões” e já programando um retorno, o que aconteceu um mês depois. Os resultados desta vez foram bem mais satisfatórios. A experiência aqui relatada, talvez, seja conhecida de muitos nos dias de hoje, por isso, fiz questão de ressaltar que o fato aconteceu há dezessete anos. A lição que tirei daquela viagem foi: “o importante é o que você pode vender através de Dubai e não para Dubai”. O seu produto pode estar encaixado dentro de uma das seguintes opções: não serve para Dubai, serve para Dubai, pode ser re-exportado por Dubai ou, está nas duas últimas. Cabe a cada um descobrir qual a opção do seu produto.

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