30 de mar. de 2009

A caminho de Doha

Direto da CCAB

Claudia M. Abreu e Joel dos Santos Guimarães
São Paulo – De malas prontas para participar da segunda edição da Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), em Doha, no Catar, na próxima semana, Salim Taufic Schahin, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB) concedeu entrevista exclusiva à Agência de Notícias Brasil Árabe (ANBA). Na conversa, o empresário falou sobre a importância da primeira cúpula, realizada em Brasília, em 2005, que abriu as portas para o comércio entre as duas regiões do mundo, equilibrando importações e exportações e chegando a um número recorde na corrente comercial em 2008: cerca de US$ 21 bilhões.

O empresário afirma que brasileiros precisam vencer a "timidez" e buscar investimentos árabes...
Schahin comentou ainda sobre as oportunidades de negócios nos dois blocos, em vários setores, do trabalho da Câmara Árabe nesse sentido e da importância das relações comerciais complementares. Segundo ele, pode-se, por exemplo, ter um bom projeto de tecnologia aqui no Brasil, mas sem recursos. E tal investimento pode vir dos árabes. O que temos de fazer é ir atrás e vencer a ‘timidez’, na opinião de Schahin.

O presidente da Câmara Árabe também falou de cultura, ferramenta fundamental para aproximar brasileiros e árabes. Nos planos de Schahin, a abertura de uma Casa de Cultura Árabe no Brasil, similar ao que existe na França, e um trabalho de ‘formiguinha’, mostrando aos árabes a história, a grande presença de imigrantes árabes aqui e as riquezas naturais brasileiras, e apresentando ao Brasil toda a importância e contribuição árabe para o desenvolvimento da civilização.

No domingo (29), Schahin participa da abertura do fórum empresarial, que ocorre paralelamente à cúpula, ao lado de Amr Mussa, secretário-geral da Liga dos Estados Árabes, entre outros. O objetivo do encontro é aproveitar o impulso do evento diplomático para aproximar empresários dos 34 países dos dois blocos, 22 árabes e 12 nações sul-americanas. Em 2005, na ocasião da primeira edição da ASPA, cerca de 500 empresários participaram do fórum. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista.

Qual a importância da realização da segunda edição da ASPA para o Brasil e o mundo árabe?

Schahin: Após a primeira cúpula, realizada em 2005, em Brasília, houve um incremento substancial nas relações de troca entre o Brasil e o mundo árabe. Encerramos o ano passado, por exemplo, com uma corrente comercial de quase US$ 21 bilhões. Houve também um equilíbrio entre as exportações e as importações. Mas, no meu ponto de vista, tal incremento ainda é muito tímido. Há muito a ser feito e isso vai depender de um esforço grande e de um propósito político de, realmente, fazer com que as coisas aconteçam em ambos os lados.

Qual a contribuição de eventos como a ASPA às relações comerciais entre brasileiros e
árabes?

Essas cúpulas ajudam na resolução de pendências. Acreditamos que, com a realização da segunda edição, e um melhor entendimento sobre o que mudou da primeira cúpula para esta, e a possibilidade do diálogo ser ampliado, procurando fazer com que os setores privado e público trabalhem de maneira concatenada, os resultados virão.

Durante a cúpula acontecem muitos encontros, mas como fazer para dar continuidade ao diálogo e realizar negócios?

Promover muitas viagens, missões, estimular o empresário brasileiro a buscar oportunidades no mundo árabe e também atrair os árabes para virem conhecer as oportunidades de negócios e investimentos no Brasil. Esse é o escopo Câmara de Comércio Árabe Brasileira. A Câmara quer ser esse elo de ligação, essa entidade que trabalha para ajudar os exportadores brasileiros a buscar oportunidades no mundo árabe. Auxiliar também os importadores árabes aqui no Brasil. E não só no campo do comércio e da indústria, mas também nas áreas de serviços, infra-estrutura e turismo. Apesar de nossa competitividade, nós estamos atrasados, em relação a outras partes do mundo numa questão: a atratividade que o Brasil apresenta para investimentos árabes no país. Precisamos muito melhorar isso.

Quais são os pontos cruciais para sermos mais atrativos aos investimentos estrangeiros, mais precisamente os árabes, por exemplo?

Precisamos de um sistema jurídico mais adequado, que possa, realmente, fazer com que os investimentos no Brasil sejam competitivos em relação aos outros países. Temos de dar proteção aos investidores estrangeiros, trabalhar acordos na área tributária e aproximarmos desses investidores, oferecendo a eles o que desejam. Para isso, precisamos manter o diálogo permanente.

Eu sou muito otimista com relação ao futuro das relações do Brasil com as nações árabes. Vejo a Câmara exercendo um papel muito importante, principalmente no sentido de aumentar o conhecimento árabe sobre o que é o nosso país. É um esforço que a entidade tem feito e vai fazer de maneira cada vez mais intensa. Vamos falar com os empresários brasileiros, com as autoridades, com os políticos, mas com objetivos focados, de curto e médio prazo. Saber com quem falar, dialogar com as pessoas que, realmente, tem o poder decisório. Essa aproximação entre homens de negócios brasileiros e árabes e autoridades dos dois blocos é um trabalho permanente. No momento em que tudo estiver bem organizado e bem focado, os resultados vão aparecer.

E qual o papel dos governos dos países?

Politicamente, cada nação, do seu lado, pode incentivar o seu setor privado a buscar oportunidades e facilidades, ver o que é possível oferecer. Isso é muito importante e aí entramos novamente na importância de uma cúpula, que tem esse papel. Chefes de estado, ministros e outros membros do governo estarão presentes. Isso facilita muito o diálogo. Nesses eventos, os problemas, os entraves ao comércio começam a ser atacados.

O governo do Brasil está cumprindo o seu papel para estreitar as relações com o mundo árabe?

É muito importante lembrar também que desde Dom Pedro II nunca um presidente do Brasil tinha visitado os países árabes. O presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) foi o pioneiro nisso. Ele foi o mentor intelectual da aproximação Sul-Sul, não só com os países árabes, mas também com as nações africanas.

Essa atitude política do governo brasileiro tem refletido positivamente no mundo árabe e no continente africano. Como o Brasil deseja ter um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), o comércio se tornou importante para o governo brasileiro, pois cria melhores condições para as conversas entre os países.

O Brasil já faz parte do G-20. Agora, o país está inserido no contexto político internacional de maneira diferente do que está inserido no contexto do comércio internacional. Existe uma defasagem entre posição política e a econômica. Esse gap é que vamos, por meio da Câmara, ajudar a fechar.

Como fazer isso?

O mecanismo de sempre: o diálogo com os governos e o empresariado. Vamos conversar, por exemplo, com o poder Executivo, que já mostrou querer ampliar o relacionamento com os árabes. Com o Legislativo, que vai ter de fazer uma reforma na área jurídica para criar facilidades de investimentos no país. E isso não é só para os árabes, mas para investidores estrangeiros em geral. A Câmara vai falar com todos esses poderes.

A forte presença árabe no Brasil facilita a conversa com os países árabes?

O descendente de árabe está inserido no contexto brasileiro. A nossa colônia tem dado uma contribuição enorme para o desenvolvimento do país. Somos hoje em torno de 12 milhões de descendentes árabes numa população de 190 milhões de brasileiros. Os árabes estão no Congresso, cinco ministros de Estado são de famílias árabes, isso sem falar da presença em instituições de ponta, como o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, que é referência internacional, na universidade. Grandes empresas brasileiras são de descendentes de árabes. Então, sabemos que os árabes ajudam o país a progredir. Acho que, se mostrarmos isso às nações de lá, apontando a importância da nossa colônia aqui no Brasil, podemos atrair investimentos árabes para o país. Temos de mostrar a eles que o ambiente aqui é mais propício, pois o árabe está inserido, diferentemente de outros lugares do mundo. Por outro lado, nós, por meio da Câmara, temos de mostrar aos brasileiros a importância da cultura árabe para a humanidade.

A cultura também será um meio para estreitar as relações entre as duas regiões?

Schahin defende a abertura de uma Casa de Cultura Árabe no Brasil
Na área cultural tem muita coisa para trabalhar. Uma das coisas que quero fazer, por exemplo, é uma Casa de Cultura Árabe no Brasil, a exemplo do que existe Paris, na França (o Institut du Monde Árabe). Há também um museu interessante na Alemanha. No próprio Vaticano, na Itália, tem livros árabes fantásticos, com informações preciosas sobre a história do mundo. Acho importante resgatar a cultura árabe, sua importância para a civilização, e quero mostrar isso aos brasileiros.

Quais as parcerias que, de imediato, o sr. acha possível entre o Brasil e os países árabes?

Olha, no caso das nações árabes do Levante (Jordânia, Síria, Líbano e Palestina), por exemplo, podemos levar tecnologia brasileira. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é líder em pesquisas agrícolas para climas tropicais, tem experiência em regiões mais secas, poderia ajudar no desenvolvimento das áreas desérticas, torná-las agricultáveis, por exemplo. Outro ponto, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) é outra entidade que pode atuar lá, pois os países árabes dependem, unicamente, do sistema europeu de normas técnicas. O presidente do Inmetro esteve na Líbia e disse que há muito interesse deles nos serviços do instituto. É uma porta, uma oportunidade.

Na área de engenharia, outro bom negócio para os brasileiros. As empresas brasileiras podem disputar projetos de grande magnitude lá. Temos tecnologia, mas somos tímidos e temos de vencer essa timidez.

E os árabes, em que setores do Brasil eles podem entrar?

Bom, nós temos aqui projeto de infra-estrutura com altas taxas de retorno. Aeroportos, portos, o pré-sal. A Petrobras precisa atrair investimentos para o pré-sal, por exemplo. Com a crise mundial, está difícil levantar recursos externos, as linhas de créditos estão escassas. Então, acho que é questão de mostrar o projeto para o mundo árabe. Terão muitos investimentos em produção, refinarias e petroquímica. São diversas oportunidades.

Os 22 países árabes tem suas característica, peculiaridades, mas todos tem muita infra-estrutura para ser desenvolvida lá. Como nós aqui, no Brasil, também temos. Então as nossas companhias, que tem essa capacidade de engenharia, podem ajudá-los. Talvez a somatória dos recursos árabes com a nossa tecnologia seja um ótimo casamento. O que acontece também é que, por vezes, nós temos um bom projeto, mas não temos recursos. E eles tem. O que precisamos, volto a dizer, é não sermos mais tímidos, enfrentarmos os nossos problemas e mostrar que somos competitivos.

São as vantagens competitivas trabalhando a nosso favor?

Sim, temos de avaliar as vantagens de cada um para fazer a troca. E isso vale para tudo, principalmente num momento em que o protecionismo dos países está sendo revisado. Se a agricultura brasileira é muito competitiva, vamos lá mostrar, pois a européia, a americana é muito subsidiada. Na indústria, é o contrário, não somos muito competitivos em algumas áreas, então vamos trabalhar. O Brasil ainda tem muito o que crescer no comércio internacional.

E o turismo, também está na agenda da Câmara Árabe?

Acho turismo um campo fundamental. E olha que boa relação de troca. O Brasil tem belezas extraordinárias, faz sol o ano inteiro, temos a Amazônia, o Pantanal. E os árabes tem história, artes, arqueologia, religião. O mundo árabe é o centro das três religiões monoteístas: o islamismo, o judaísmo e o cristianismo. Então, o turismo é um setor que tem ser trabalhado. Na Câmara, já estamos falando com as agências de turismo daqui e de lá para começar a explorar isso com mais propriedade.

Ainda esbarramos na questão logística, mas que pode ser vista como uma oportunidade também, um problema a ser atacado. Temos de criar mais linhas aéreas, incentivar o turismo de massa, feito por meio de voos charters. A ideia é apresentar o Brasil aos árabes e as nações árabes aos brasileiros. Acredito que, quando você conhece e admira a cultura de um povo, isso, fatalmente, gera uma curiosidade, uma vontade de querer estar mais próximo, de conhecer mais.

E a crise econômica? Pode atrapalhar os planos de expansão comercial?

O que percebemos até agora é que os países mais dinâmicos foram os mais afetados, influenciados pela crise mundial. No Brasil, estávamos taxados como atrasados em questões como política monetária, por exemplo. Praticávamos juros altos, os bancos ainda recolhiam o compulsório. O que acontece é que, tudo isso, que era visto como atraso, está sendo bom no momento de crise. O atraso brasileiro está nos ajudando. Outros pontos importantes foram o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), realizado nos anos 1990, e as medidas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e do Banco Central, que, por exemplo, não permite alta alavancagem dos bancos brasileiros. Então, essas questões, que pegaram Europa e Estados Unidos, não chegaram aqui. O que aconteceu é que sofremos com os reflexos em dois pontos: as linhas de crédito, que ficaram escassas, e o preço das commodities, que caiu.

Acredito que a saída para crise depende de alguns fatores, mas cito dois. Acho que a China será o país central para a arrancada. E o país precisa crescer cerca de 8%. Crescendo a 6%, 7%, como já li previsões, pode ser mais complicado, mas temos de esperar. O segundo vetor são os Estados Unidos. Acho que, com as medidas para tirar os ativos tóxicos das instituições financeiras e clareza nas medidas tomadas, o dinheiro vai começar a fluir. Devagar, mas vai começar.


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