16 de mar. de 2009

As duras lições da crise!

De que serve um programa assistencialista, como é o caso do Bolsa-Família, se o mercado não disponibiliza produtos baratos, para que as classes, antes ditas como excluídas, possam ser inseridas no universo do consumismo? Simplesmente serve para que estas classes continuem na condição de excluídas, mas, agora com um tímido bônus, o de poder alimentarem-se um pouco melhor. Entretanto, sabemos muito bem, que o ser humano, não deseja apenas pão e circo, pelo menos aqueles não afetados pelo comodismo, o ser humano deseja galgar os degraus definidos na escala de Maslow. Não importando até, que pulem alguns. Mas, como ascender a estes degraus, se a indústria nacional não disponibiliza ou, pelo menos não consegue disponibilizar, bens e serviços com preços adequados a estes milhares de novos bolsos, ávidos por gastar o minguado maná que o estado lhes atira, muitas vezes, metamorfoseado em moeda de troca eleitoreira? A resposta à esta minha pergunta, segundo conjeturas próprias, pode estar no reconhecimento da China como economia de mercado. Parece uma insensatez? Mas, possui um certa lógica, afinal, foi através deste reconhecimento que, uma avalanche de produtos, dos mais diversos tipos, cores e tamanhos, invadiu nosso país, a preços tão acessíveis que, conseguiram excitar estes novos bolsos a inserirem-se no mercado de consumo. Será que alguém discorda desta posição? Ou será que alguém se lembra de tanto consumo, realizado pelas classes mais baixas, antes do tal reconhecimento, mesmo com o bolsa-família funcionando? Para que serve este dinheiro que eu recebo, se não consigo comprar uma televisão nova, um micro-ondas, uma geladeira e assim por diante? Faz sentido, não faz? Entretanto, se por um lado, esta estratégia serviu para abrir portas a uma latente massa de consumidores, por outro, pode ter levado à bancarrota, um sem número de empresas nacionais que, por inúmeros fatores os quais, passam desde uma gestão de produção inadequada, até a elevada carga tributária, por não conseguirem competir com estes famulentos tigres asiáticos. Certo é, que muitos setores beneficiaram-se do advento, principalmente aqueles que puderam substituir componentes nacionais, em seus manufaturados, por pares importados bem mais econômicos. Infelizmente, outros setores, não tiveram a mesma possibilidade, cito o caso do setor têxtil e do setor calçadista e, acabaram amargando uma sensível perda no mercado local. O resumo da ópera é que não sou contra uma economia de mercado aberta, mas, posiciono-me favoravelmente à uma condição equilibrada de regras, onde o produtor nacional possa, competir em pé de igualdade com a concorrência internacional, sem depender de mecanismos que beirem ao protecionismo ou, salva-guardas que, na maioria das vezes, levam tanto tempo para entrar em vigor que, quando isso acontece, o estrago feito já é tão grande que sua eficácia se torna inócua. Quanto ao bolsa-família, considero-o extremamente importante, sempre e quando venha acompanhado de um apêndice voltado ao empreendedorismo, a grosso modo, expurgando-se de sua característica meramente assistencialista e focado mais no “ensinar a pescar”. Da maneira como está, não lhe atribuo qualquer marca altruísta. Não vou nem mencionar o fator desemprego gerado pelas condições acima citadas. Honestamente, estes programas assistencialistas, me lembram aqueles programas de televisão que levam famílias de volta aos seus estados de origem. Após anos de sofrimento, retornam aos seus berços, carregados de presentes, acrescidos de certa quantia em dinheiro, esperançosos por um recomeço. O que eu nunca entendi é porque entre os presentes não encontramos nada que permita que a família possa produzir o seu próprio sustento. Por exemplo, pequenos implementos agrícolas ou, algumas cabeças de gado ou, de cabras enfim, algo que proporcione a família um rendimento digno, uma condição de auto-sustento. No final das contas, o dinheiro ganho é gasto, os presentes perdem o seu valor e, muitas vezes, a família acaba retornando. Dar o peixe é bom, mas, ensinar a pescar é muito melhor. Mas, vamos falar de Comércio Exterior, porque este é o nosso objetivo. Vou citar alguns trechos de reportagens que foram veiculadas ontem no jornal Folha de São Paulo:
“Crise econômica dita tendência na moda... Substituição de insumos importados por nacionais e produções mais simples permitem que grifes baixem despesas em 15% em média...Com a substituição de insumos importados e produções mais simples, fabricantes têm conseguido baixar custos em 15%, em média. E, dizem, conseguido evitar queda nas vendas...A mudança de material é um dos principais artifícios...Baratear produtos implica torná-los menos "espetáculo" e mais "praticidade"...A variação do dólar, que, há quatro anos, empurrava empresas a buscar matéria-prima no exterior, agora favorece o movimento contrário. Na Duloren, as importações, origem de 30% da matéria-prima usada em 2007, foram extintas. Alguns tecidos estão sendo produzidos em uma das fábricas na Baixada Fluminense que estavam com capacidade ociosa...A paulista D'anello, que fabrica alfaiataria e costumes masculinos, também substituiu tecidos estrangeiros por algodão brasileiro no forro das jaquetas...Funcionário erra, cria desenho e tecido vira "hit" da estação...Há três meses, o funcionário da Duloren Maurício Vidal, 59, estava produzindo um tecido, mas acabou errando no uso das agulhas...A crise aumentou o trabalho de Vidal. Com a queda do dólar, há quatro anos, e o aumento das importações na Duloren, ele estava um tanto ocioso. Agora, com o fim da importação na empresa, está sendo mais solicitado para criar...Inicialmente, os operários da Duloren se assustaram com a crise. Acalmaram-se quando Argalji disse em setembro, no café da manhã mensal que tem com os operários, que precisaria deles para desenvolver produtos para tempos de crise. Além de motivar, empresários rearranjam as funções. Dos 8 profissionais que havia no departamento de compras da Corpo & Alma, 2 estão na fábrica, acompanhando a produção -e a produtividade-, atentos aos desperdícios, diz Isac Saadia, dono da empresa”. Será que é preciso explicar alguma coisa, depois da leitura destes trechos? Acredito que não. Mas, mesmo assim, só para fazer constar, vou destacar algumas palavras-chave das lições que a crise está ensinando às empresas mencionadas: substituição de insumos importados por nacionais = emprego; baixem despesas em 15% = mais vendas; agora favorece o movimento contrário = desenvolvimento; estavam com capacidade ociosa = desemprego; tecidos estrangeiros por algodão brasileiro = emprego; ele estava um tanto ocioso = desmotivação; está sendo mais solicitado a criar = motivação, criatividade, aprendizado; desenvolver produtos para tempos de crise = motivação, emprego, criatividade. Acho que é suficiente. Imaginemos agora se este “vírus” se espalhar para outros setores, as consequências serão extremamente benéficas, ou será que alguém pensa o contrário? Infelizmente, seremos vítimas do protecionismo e, mais infelizmente ainda, teremos que aplicar este mesmo remédio, não poderemos remar contra a maré, acreditando que toda a produção mundial poderá ser desembarcada em nossos portos livres, leves e soltas. Mas, existe uma forma de protecionismo que podemos considerar saudável, é aquela imposta pelo próprio mercado, pela própria indústria nacional, quando consegue competir de igual para igual com os concorrentes estrangeiros. Entretanto, se faz necessária uma ação conjunta, governo e sociedade, governo e empresários, no sentido de estabelecer bases sólidas de infra-estrutura na produção nacional. Tais bases devem estar alicerçadas desde a educação dos funcionários até a renovação nos sistemas aeroportuários, passando pela disponibilização de financiamentos ao sistema produtivo a juros acessíveis. Alcançado este patamar de protecionismo saudável, os consumidores terão à disposição um sem número de produtos e serviços com qualidade e preços equivalentes aos importados e, com um adicional, os serviços pós-vendas, como redes autorizadas, por exemplo, que podem significar o fiel da balança para os produtos “Made in Brazil”. No vácuo deste desenvolvimento, andarão nossas exportações, afinal, quanto mais competitivos formos internamente, mais competitivos seremos no exterior. Faço agora menção à outra matéria, também veiculada na Folha de São Paulo do último sábado:
“Haiti será atalho para Brasil exportar aos EUA...Encontro bilateral deve definir acesso preferencial do setor têxtil ao mercado americano por meio de investimento no país caribenho
No encontro bilateral entre Brasil e EUA, em Washington, as equipes comerciais dos dois países pretendem avançar em uma discussão que poderá possibilitar o acesso preferencial de algumas empresas do setor têxtil brasileiro ao mercado norte-americano. A ideia é estimular indústrias têxteis do Brasil a investirem no Haiti e exportar de lá seus produtos aos EUA. O Brasil lidera a intervenção militar da ONU no país caribenho. Nesta semana, um grupo de empresários brasileiros esteve em Washington negociando modificações no acesso preferencial que o Haiti já tem em relação aos EUA para exportações. A ideia é criar incentivos, viabilizando os investimentos.” Se alguém acredita que o Brasil acabou de descobrir a América, que dizer, o Haiti, lamento informar que esta estratégia não é nenhuma novidade e, lamentavelmente, o Brasil acaba chegando atrasado na história mais uma vez. Alguém já ouviu falar no CAFTA? Não estou me referindo àquele delicioso acepipe da culinária árabe. Falo do Central American Free Trade Agreement. (http://www.buyusa.gov/centralamerica/en/) Muitos conhecem o NAFTA, mas, o seu primo centro-americano, desde a sua criação, vem cumprindo muito bem o seu papel como desenvolvedor da indústria dos mercados que o compõem. Os Estados Unidos importaram 19 bilhões de metros quadrados de tecidos em 2003. Esta quantidade poderia cobrir aproximadamente 215 mil campos de futebol do tamanho do Maracanã. Deste total, 3.6 bilhões ou aproximadamente 40 Maracanãs foram importados de seus parceiros do CAFTA - Guatemala, El Salvador, Honduras, Costa Rica, Nicarágua e República Dominicana. O setor têxtil e de vestuário do CAFTA proporciona inúmeros benefícios para os fabricantes de tecidos e vestuário dos Estados Unidos, benefícios estes que são facilmente entendidos como extensivos aos consumidores. Como funciona este acordo? De maneira bem simples, os Estados Unidos e os países que compõem o CAFTA, concordaram na utilização de certos insumos pela indústria de tecidos e vestuário, respeitando-se determinadas regras de origem. Alguns exemplos de insumos são certos elásticos e forros. Fios e fibras usados na produção de tecidos podem ser importados de qualquer lugar, entretanto, deve-se dar uma preferência aos fabricantes americanos. Já os fios usados na indústria de vestuário (confecções) devem ser fornecidos apenas por produtores da região, preferencialmente americanos. Uma “provisão de valor agregado” permitirá que os fabricantes americanos de tecidos se abasteçam de fornecedores de fios de outras partes para a produção dos tecidos a qual, quando usada pela indústria de vestuário da América Central estará sujeita apenas a um imposto de valor agregado quando os produtos forem exportados aos Estados Unidos. Nunca é demais, agregar a esta explicação, que a indústria de vestuário do CAFTA é composta, na sua maioria, por empresas, cujo capital, não é totalmente nacional. E que a presença asiática na região é extremamente notável. Mesmo com a imposição de quotas para produtos têxteis originários da Ásia aplicada pelos Estados Unidos, o fornecimento continua normal, graças ao acordo. O mesmo acontece na cidade de Medellín, na Colômbia: “Localizada em uma região de origem mineira, Medellín é o centro industrial e comercial do oeste da Colômbia. Por conta da forte presença do setor têxtil, é referência no que diz respeito a confecção e moda no país. Por conta de eventos como as feiras Colombiatex e Colombiamoda, recebe todos os anos além do turista de lazer, os que procuram fazer negócios.” (http://indexet.gazetamercantil.com.br/arquivo/2008/02/07/78/Medellin,-uma-cidade-em-transformacao.html). A pergunta que fica é, por que o Brasil está sempre um passo atrás nestes episódios? Por que nossos acordos comerciais não nos beneficiam da maneira que deveriam? Por que relutamos tanto em fortalecer a ALCA e demos preferência ao combalido Mercosul? Por que insistimos apenas em desenvolver o agronegócio, através das commodities, esquecendo-nos dos outros setores? Por que a cidade de Americana, hoje sede do Pólo Tecnológico da Indústria Têxtil e de Confecção (www.polotectex.com.br) do qual tive a honra de ser consultor, não se transforma como o caso da cidade de Medellin? O que falta neste governo para antecipar-se aos acontecimentos? Por que este gigante adormecido, não desperta e se impõem como um “global supplier”? As ferramentas estão à nossa disposição, temos a APEX realizando um excelente trabalho, temos o BNDES buscando disponibilizar financiamentos, o SEBRAE, os Arranjos Produtivos Locais, mas, isto talvez ainda seja insuficiente. Falta uma harmonia maior entre o setor público e o privado, faltam talvez homens de negócios mais arrojados na condução das políticas governamentais. A decisão brasileira no Haiti é extremamente louvável, afinal, pior do que fazer algo difícil é não fazer nada. Mas, o projeto pode levar muito tempo para ser colocado em prática. Aquele país, antes de se tornar um entreposto produtor e exportador, precisa ser reconstruído, sua população precisa ser treinada e qualificada, sua infra-estrutura logística precisa sair do zero e tudo isso leva tempo. Paralelo a isso, o governo precisa olhar para dentro e fortalecer sua indústria e fortalecerJustificar a imagem do Brasil lá fora. Não podemos colocar todos os ovos em uma única cesta, como é o caso do etanol. O recado já foi dado, no primeiro encontro entre Lula e Obama. ALCA e a Rodada de Doha ficarão em “stand-by” não se sabe até quando e por isso, o Brasil não pode agora abaixar a cabeça e acreditar que tudo está perdido. Basta olhar para os exemplos que algumas indústrias têxteis estão dado e, a partir daí, traçar uma nova rota para a economia brasileira. Leia mais sobre Comércio Exterior no Blog do Barzan.


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